sexta-feira, 18 de julho de 2008

TEATRO DO ABSURDO

(O Sr. e a Sra. Martin sentam-se frente a frente, sem se falarem. Sorriem um para o outro, timidamente. O diálogo que se segue deve ser dito com voz arrastada, monótona, meio cantante, sem nuances)

SR. MARTIN – Desculpe, minha senhora, mas me parece, se não estou enganado, que a conheço de algum lugar.

SRA. MARTIN – Eu também, meu senhor, parece que o conheço de algum lugar.

SR. MARTIN – Por acaso, minha senhora, eu não a teria visto em Manchester?

SRA. MARTIN – É bem possível. Eu sou da cidade de Manchester! Mas não me lembro muito bem, meu senhor, eu não poderia dizer se o vi ou não!

SR. MARTIN – Meu Deus, que curioso! Eu também sou da cidade de Manchester, minha senhora!

SRA. MARTIN – Que curioso!

SR. MARTIN – Que curioso! … Só que eu, minha senhora, saí de Manchester há mais ou menos cinco semanas!

SRA. MARTIN – Que curioso! Que estranha coincidência! Eu também, meu senhor, saí da cidade de Manchester há mais ou menos cinco semanas.

SR. MARTIN – Peguei o trem das 8 e meia da manhã, que chega em Londres às 15 para as 5, minha senhora.

SRA. MARTIN – Que curioso! Que estranho! E que coincidência! Eu também peguei o mesmo trem, meu senhor.

SR. MARTIN – Meu Deus, que curioso! Então, minha senhora, talvez eu a tenha visto no trem?

SRA. MARTIN – É bem possível, pode ser, é plausível, e, afinal, por que não!… Mas eu não me lembro disso, meu senhor!

SR. MARTIN – Eu estava viajando de segunda classe, minha senhora. Não existe segunda classe na Inglaterra, mas assim mesmo eu viajo de segunda classe.

SRA. MARTIN – Que estranho, que curioso, e que coincidência! Também eu, meu senhor, estava viajando de segunda classe!

SR. MARTIN – Que curioso! Talvez nós tenhamos nos encontrado na segunda classe, minha cara senhora!

SRA. MARTIN – É bem possível, pode ser. Mas eu não me lembro muito bem, meu caro senhor!

SR. MARTIN – Meu lugar era no vagão número 8, 6o. compartimento, minha senhora!

SRA. MARTIN – Que curioso! Meu lugar também era no vagão número 8, 6o. compartimento, meu caro senhor!

SR. MARTIN – Que curioso e que estranha coincidência! Talvez nós tenhamos nos encontrado no 6o. compartimento, minha cara senhora?

SRA. MARTIN – É bem possível, afinal! Mas eu não me lembro, meu caro senhor!

SR. MARTIN – Para falar a verdade, minha cara senhora, eu também não me lembro, mas é possível que tenhamos nos visto lá, e, pensando bem, a coisa me parece mesmo bem possível!

SRA. MARTIN – Oh! Realmente, é claro, realmente, meu senhor!

SR. MARTIN – Que curioso!… Meu lugar era o número 3, perto da janela, minha cara senhora.

SRA. MARTIN – Oh, meu Deus, que curioso e que estranho, meu lugar era o numero 6, perto da janela, em frente ao senhor, meu caro senhor.

SR. MARTIN – Oh, meu Deus, que curioso e que coincidência!… Nós estávamos então frente a frente, minha cara senhora! É aí que devemos ter-nos visto!

SRA. MARTIN – Que curioso! É possível mas eu não me lembro, meu senhor.

SR. MARTIN – Para falar a verdade, minha cara senhora, eu também não me lembro. Contudo, é bem possível que nós tenhamos nos visto naquela ocasião.

SRA. MARTIN – É verdade, mas eu não estou muito certa disso, meu senhor.

SR. MARTIN – Mas não foi a senhora, minha cara senhora, a senhora me pediu para pôr sua maleta no bagageiro e que em seguida me agradeceu e me deu permissão para fumar?

SRA. MARTIN – É sim, devia ser eu, meu senhor! Que curioso, que curioso, e que coincidência!

SR. MARTIN – Que curioso, que estranho, que coincidência! Muito bem, e então, então talvez nós tenhamos nos conhecido naquele momento, minha senhora?

SRA. MARTIN – Que curioso e que coincidência! É bem possível, meu caro senhor! Contudo, acho que não me lembro.

SR. MARTIN – Eu também não, minha senhora.

(Um momento de silêncio. O relógio bate)

SR. MARTIN – Desde que cheguei a Londres, moro na rua Bromfield, minha cara senhora.

SRA. MARTIN – Que curioso, que estranho! Eu também, desde a minha chegada a Londres, moro na rua Bromfield, meu caro senhor.

SR. MARTIN – Que curioso, mas então, talvez nós tenhamos nos encontrado na rua Bromfield, minha cara senhora.

SRA. MARTIN – Que curioso, que estranho! É bem possível, afinal! Mas eu não me lembro, meu caro senhor.

SR. MARTIN – Eu moro no número 19, minha cara senhora.

SRA. MARTIN – Que curioso, eu também moro no número 19, meu caro senhor.

SR. MARTIN – Mas então, mas então, mas então, mas então, mas então, talvez nós tenhamos nos visto naquela casa, minha cara senhora?

SRA. MARTIN – É bem possível, mas eu não me lembro, meu caro senhor.

SR. MARTIN – Meu apartamento fica no 5o. andar, é o número 8, minha cara senhora.

SRA. MARTIN – Que curioso, meu Deus, que estranho! E que coincidência! Eu também moro no 5o. andar, no apartamento número 8, meu caro senhor.

SR. MARTIN – Que curioso, que curioso, que curioso e que coincidência! Sabe no meu quarto, eu tenho uma cama. Minha cama fica coberta com um edredon verde, encontra-se no fim do corredor, entre o lavabo e a biblioteca, minha cara senhora!

SRA. MARTIN – Que coincidência, ah meu Deus, que coincidência! Meu quarto também tem uma cama com um edredon verde e se encontra no fim do corredor, entre o lavabo, meu caro senhor, e a biblioteca!

SR. MARTIN – Que estranho, curioso! Então, minha senhora, moramos no mesmo quarto e dormimos na mesma cama, minha cara senhora. Talvez seja lá que nós tenhamos nos encontrado!

SRA. MARTIN – Que curioso e que coincidência! É bem possível que tenhamos nos encontrado lá, e talvez até mesmo na noite passada. Mas eu não me lembro, meu caro senhor.

SR. MARTIN – Eu tenho uma filhinha, minha filhinha, ela mora comigo, minha cara senhora. Ela tem 2 anos, é loira, tem um olho branco e um olho vermelho, é muito bonita e se chama Alice, minha cara senhora.

SRA. MARTIN – Que estranha coincidência! Eu também tenho uma filhinha, ela tem 2 anos, um olho branco e um olho vermelho, é muito bonita e também se chama Alice, meu caro senhor.

SR. MARTIN – ( com a mesma voz arrastada, monótona) Que curioso e que coincidência! E estranho! Talvez seja a mesma, minha cara senhora!

SRA. MARTIN – Que curioso! É bem possível, meu caro senhor.

Um momento de silêncio bem longo… O relógio bate vinte e nove vezes.

SR. MARTIN – (após refletir longamente, levanta-se lentamente e, sem se apressar, dirige-se até a Sra. Martin que, surpresa com o ar solene do Sr. Martin, também se levantou, muito suavemente; o Sr. Martin fala com a mesma voz singular, monótona, vagamente cantante) Então, minha cara senhora, creio que não há duvida, nós já nos vimos e a senhora é minha própria esposa… Elisabeth, eu reencontrei você!

SRA. MARTIN – (aproximando-se do Sr. Martin sem se apressar. Eles se abraçam sem expressão. O relógio soa uma vez, muito forte. A batida do relógio deve ser tão forte que deve fazer os espectadores se sobressaltarem. O casal Martin não a ouve.)

Donald, é você, darling!

Às vezes nos comunicar exige um esforço grande demais para diálogos sem sentido.

Um comentário:

Marcelo Negri disse...

ai ai frank, é foda mesmo! às vezes dá nisso. mas passa.